quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

2000inove?


Diferentemente dos Estados Unidos que comemoram o Ano Novo, o Dia de Ação de Graças e o 4 de julho, no Brasil só temos uma queima de fogos e ainda assim como as chuvas de inverno: apenas em pontos isolados. Dizem que o maior Reveillon do mundo é o de Copacabana e somente na Rocinha há mais pipocos e rojões.
O ano de 2009 é o penúltimo da década - o que me provoca tremuliços - e promete ser o penúltimo de muita gente. Estima-se que a fome e o Fome Zero, a Suzana Vieira e Santa Catarina não existam até o fim da década se as coisas continuarem nesse pé. Prevê-se também que a Dutra desapareça, já que São Paulo e Rio crescerão tanto, impulsionados pelos shows da Madonna que eles se dêem às mãos finalmente, como na pintura de Michelangelo. A desvantagem é que um tiro disparado em Ipanema pode implicar numa bala perdida, tanto na Lapa de lá ou quanto na Lapa de cá.
É bem possível que o Ronaldinho marque gols, dissolvendo a crise econômica mundial, ao demonstrar o pleno trunfo dos cartolas do futebol brasileiro, o que significaria a valorização do Real frente ao Euro e uma pontada de inveja no real Madrid.
Provavelmente a China se torne a nação mais poderosa do mundo, ou pelo menos a mais poluidora, o que seria uma tragédia, não pela emissão mortal de carbono, mas pela falta de escolas de mandarim no mundo. O Obama falaria e ninguém o ouviria, e como seu antecessor, usaria de métodos mais hostis e bombásticos pra suprir sua carência, e não seria no Iraque. Acho que a Carla Bruni posa nua novamente, já que a França sempre foi liberal e lá o presidente come muito bem.
Mas antes, muito antes de tentar qualquer incursão na língua Chinesa, ou uma viagem proveitosa nos ensaios eróticos em francês será preciso reconquistar aquilo que pensávamos que tínhamos pleno domínio: o português. As novas regras ortográficas vêm para destituir nossa soberania como nação e quem sabe nossa tirania como brasileiros. Nunca mais estaremos convictos de um acento, da irmandande de dois “erres” ou da procedência de um hífen; salvo a crase, que se mantém intacta como a corrupção em Brasília. É a obsolência da Era da Imprensa, de Guttemberg, já que tudo o que se imprimiu até hoje será anulado e precisará ser reeditado, causando calos e tendinite nos letrados, de uma forma geral e a final aceitação que desconhecemos nosso idioma e somos um país de analfabetos. Talvez a Igreja intervenha e queime os livros de uma língua lusitana retrograda e profana junto com as bruxas. Talvez queimem só as bruxas e as profanas.
Por precaução, em 2009, guardarei meus versos arcaicos de Bilac e as fotos ousadas da Primeira Dama sob a cama.


P.S.: O Ano de 2008 foi do Escorpião e do Escorpião somente. Tatuado na barriga e no coração.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Eu sou o Grinch!


Eu sou o Grinch e não ligo pro Natal. Todo esse estoque de comida, como se fossemos viver um ataque nuclear e a essa concentração de gente em volta de uma árvore me cansa seriemente. É o dia do ano em que menos como e bebo. Recluso-me em algum recinto sereno e calmo.
Evito até os shoppings, esses templos de concreto e consumo que ficam demasiadamente nocivos nesta época. Cheio de crianças em busca de presentes e adultos a procura de soluções.
É claro que adoro as decorações nas ruas, repletas de luzes piscantes e um pouco de cultura e contemplo satisfeito, sem pensar em quantos graus a terra vai aquecer com isso. Sem considerar quantas crianças passarão fome e quantos quilos de carne deixarei de comer. Gosto dos presentes e dos sorrisos, mesmo tendo de pagar por eles. Papai Noel já num me ilude mais, há muita compreensão em mim. E aqui nem neva, só esse sol que nos queima os miolos e essa chuva que a tudo aterra.
E de tudo o que mais odeio no natal é que ele precede a passagem de ano, é como se nossos corações se preparassem pro fim eminente. É a analogia do noivado na vida sentimental, que nos concede a chave que nos levará para um começo sem volta. O ano novo é um saco, só é aprazível e bem vindo se o ano velho for terrível e você não agüentar mais. É o chamamos vulgarmente de esperança.Mas o mais chato do natal são os embrulhos, sempre os embrulhos. Há bastante intenções de paz, amor, alegria e sinto-me nostálgico em certos momentos e acho que é o efeito do espírito natalino, mas o que estraga tudo são os embrulhos, há muitos deles no natal, definitivamente. Mas um pouquinho de amor ou solidariedade já justificam tudo, já um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

the life in technicolor




Hoje põe-se uma vela a mais no seu bolo technicolor.
Mesmo sabendo tão pouco a seu respeito, sei que minhas madrugadas nunca mais foram as mesmas, nem as manhãs tão pouco. Que a tristeza e a melancolia pudessem ser tão coloridas, e que a solidão pudesse ser tão cômica e confeitada, como uma película feita em technicolor pelos melhores cineastas.
Aprendi a delícia de manter uma vida em superlativos, finississimamente; bebendo na mesma proporção, colecionando histórias nos porres sucessivos.
Iludindo-se e desiludindo-se sempre, com amor virginal e intenções menos puras, que sempre começam nas segundas e terminam em alguma décima... sendo confundido com os mais loucos devassos...com os amantes mais profissionais ou com a vitima mais próxima...
Mas que se revelou graciosamente como um tio exemplar e um primo queridíssimo.




para R.V.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

trouble slepping


É tarde e me sinto cansado e estou tendo problemas pra dormir. É essa constante necessidade entre respirar e pensar. Viro-me levemente pra esquerda pois me cansei de novo. Sinto o calor subindo pelos lençóis amarrotados e dispersos, chegando ao travesseiro que já foi ao chão. Está cada vez mais claro o escuro desse quarto, mais sonoros os mínimos ruídos na casa ao lado.
Surge uma TV na sala, um pouco de passos num piso de tacos da década de 50 e as baratas no chão e me incomodam muito. Não levantarei novamente pra tomar água, esvaziei a bexiga e não há nada para ler. Os braços descansados do relógio trabalham cada vez mais lentos, sinto-os girando nessa roda sem graça e infinita. O tempo não passa. Da mente vem um turbilhão de idéias que nunca cessa, misturando todos os assuntos com problemas com dilemas com memórias com sonhos que sonho acordado. Sinto o início de dor na lombar, é hora de virar-me novamente.
Lembro que esqueci de ligar o despertador. Levanto duvidando se é necessário. Recuso apelar para qualquer recurso medicinal, não tomo nada. Eu poderia estar insone por vários motivos, e deveria culpar muitas pessoas; só não diga, por favor, que estou me apaixonando.

Eu já vi esse filme. Vou desligar de novo. Está cedo agora. Alguns galos cantam no terreno baldio. A vizinha prepara o café e bate nos filhos; ele estão atrasados de novo. Meu jornal chegou e só lerei a resenhas dos filmes da semana.

Estou com o mundo sobre os olhos e sonolento; feliz porque ainda tenho um pouco de creme anti-olheiras.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Dona Cotinha


Dona Cotinha tinha por mania o hábito de contar anedotas. Um dos últimos relatos referia-se vagamente sobre o fato de o mundo se acabar. Jurara de que suas plantas emergiam alienígenas genocidas que haveriam de atacar a humanidade. Passado um mês de gritaria pelos corredores, descobriu-se que de suas violetas surgiam pulgões verdes e não aliens apocalípticos. Ainda ela dá vestígios de acreditar no Armageddon iminente, entretanto.
D.C., como foi apelidada; fazendo alusão ao caráter bélico-imperialista-catastrófico que havia em Washington (D.C) nunca tivera simpatia dos vizinhos. Certa feita afirmou que seu gato pardo, era preto. E que ele mantinha obscuras relações com a vizinha do 302. É claro que Abelardo, o marido do 302 não gostou nada da polêmica e das insinuações de pertencer a uma seita que sacrificava animais e outras formas de vida. As perjuras de Dona Cotinha contra a vizinhança tornaram-se insuportáveis. A filha do Cateto, do 210, ainda mostrava a língua e outras adjacências quando D.C. apontava no corredor.
Disseminou suspeitas ao homem de regata branca e peito depilado que visitava regularmente a moradora do 115. Nunca provaram nada. Nunca também conseguiram descobrir de onde vinha o terrível cheiro de nozes turcas que Dona Cotinha sentia sempre. O máximo que descobriram foi o cadáver do periquito amarelo que o caçula do 230 desovou havia meses. O dono do cantante pássaro, desvendado o crime tomou providências. Estilingues e armas de baixo calibre foram banidas do prédio. Seguindo-se a essa ela desenvolveu certa implicância com a barriga de Arnaldo, do 202. Além de excessivamente branca e peluda, seu abdômen possuía segundo D.C dizia: algo obsceno. Talvez fosse o recôndito do umbigo ou as dobrinhas logo acima da cintura. Terminou por expulsá-lo do condomínio.
Certo dia, convencida que de sua janela do banheiro entrava muita claridade, prejudicando o crescimento de suas violetas pulguentas, decidiu que deveria tapar o sol com a peneira. A idéia, quando foi apresentada a Rogerio Mateus, o porteiro, causou espanto e até comoção. A noticia logo se espalhou pelos interfones até o inquilino do 513 que nunca tinha sido visto, foi acionado. Muito burburinho agitou a semana e só comentavam aquilo. Todos previam algo terrível e totalmente prejudicial, de forma que foi decidido impedi-la.
Haveriam pelos métodos tradicionais ocidentais e depois pelos orientais persuadi-la a desistir da manobra de tapar o sol com a peneira. Muitas investidas e nenhum meio pacífico foi eficaz. Uns preferiram em assembléia partir para medidas mais eficientes, mas todos queriam agir na legalidade. Ficou decidido que ela deveria morrer de overdose de aspirinas. Não se reconheceu a voz que idealizou o plano – suspeita-se que foi o Abelardo, do 302 – mas logo foi sendo aceita sem protestos.
Na manha do dia que ela empunhou as telas para tapar misteriosamente suas janelas ela foi encontrada estirada, com olhos e boca abertas segurando um frasco vazio de aspirinas na mão. O sol forte entrava pelo velho e úmido banheiro doirando levemente o corpo desfalecido. Os legistas constataram que ela tomou no mínimo quarenta cápsulas de um analgésico comum. Consultados pela perícia sobre a morte suspeita de dona Cotinha, todos os vizinhos confirmaram: ela reclamava de fortes dores de cabeça; entrava muito sol pelas janelas, disseram.

Foi a última anedota de Dona Cotinha.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

M


From the moment the lights went off Everything had changed.Vi-me rodeado de uma centena de pessoas estranhas, histéricas, quando as luzes se acenderam. Havia tanta euforia e câmeras ligadas, soltando coloridos flashes como loucos vagalumes que apenas admirei e nada parecia ser o mesmo realmente. Um som forte de gritos femininos reverberou pelo salão lotado. Tão pequenos e demasiado simples eles cantaram “I was so high I did not recognize The fire burning in her eyes”. Mas ao longe e no fundo eu ouvi o fogo ardendo em seus olhos. É estranho – e até mesmo bom - gostar de alguém que não se conhece, não se vê. Cada dia alimentando um sentimento por alguém que se conhece só a voz. Ver ao vivo é melhor ainda, eu creio. I know I don't know you But I want you so bad Everyone has a secret Oh can they keep it? Oh No they can't.

Não, não vou mantê-los, e eu não te conheço. O show foi excelente, fui cantando cada verso com veracidade, sabendo que vivi cada letra nesse ano que já vai longo. Curto foi o musical. E tão intenso que nem tive tempo de me apaixonar naquela noite, nem rouco fiquei.

And we're only several miles from the sun, e estava tão quente, eu derretia como um picolé fora de casa. Entretando cada vez mais feliz por estar ali. Afinal nothing lasts forever, but be honest, babe It hurts, but it may be the only way. Era o único caminho que eu conhecia: uma voz fininha, um corpo magrinho nos guiando, nos embalando até um coração mais tranqüilo, às vezes perverso, mas sempre tranqüilo.

Minha preferida é Sunday Morning, uma das eternas. Começou tímida com o piano e logo cantei também: é domingo de manhã, a chuva caindo. Roubo algumas cobertas e divido peles, as nuvens nos envolvendo em momentos inesquecivéis... É tão fundamental, talvez seja tudo o que eu precise, eu via tanta coisa no escuro, convidando alguns ossos quebrados, umas costelas pra descansar em mim. E eu cantando cada vez mais devagar, não querendo nunca que acabasse. E eu juro, no final, havia uma flor em seu cabelo, mesmo sabendo que eu teria de ir pra casa sem você.

E assim, como começou, logo veio o fim. Mas eu não havia terminado ainda. Acho que nunca vai acabar; esse show, essa canção, essa lembrança. And with a tear in my eye Give me the sweetest goodbye That I ever did receive.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O fim da era de Aquário!


Diferentemente da celebração que fiz no passado
a primavera deste ano promoveu um efeito inverso dessa vez. É o fim, acredito da era de aquário! As flores murchando em plena estação, os casais se desfazendo como a neve nos lugares remotos. Meses de friagens nos pés e de infindáveis promessas em Campos culminaram por determinar esse período de atípica estiagem amorosa em minhas cercanias, atingindo amigos, parentes, famosos e ficantes.
Profundos e vistosos casais antes unidos agora perfilam solitários. Nenhum a minha volta escapou, nem mesmo eu que ainda ingênuo e carente acreditava nas boas intenções da paixão e em suas adjacências. Essa primavera tem sido a derrocada final do amor e das coisas românticas.
Esse frio inconsolável que nos atingiu fora de época deve explicar-nos alguma coisa. As esquinas paulistanas nunca foram tão gélidas e solicitantes. Há solteiros, sozinhos, disponíveis e meretrizes por toda parte apelando pela volta do sentimento universal. Até mesmo a libido anda escassa; passa tímida pela Paulista ocultada por densos cachecóis. Talvez seja apenas o efeito mais imediato da crise nos bancos americanos ou represente o fim da era dos relacionamentos estáveis. Provavelmente com a queda abrupta da Nasdaq os enlaces tendam a acompanhar a baixa e ninguém se comprometa mais.
Nada de amores eternos, juras impróprias e prantos inconsoláveis. A crise determinará o fim do corneamento e do adultério. Ninguém será de ninguém, por questão meramente econômica. Até mesmo a troca eventual de casais e parceiros será comprometida, não haverão mais casais, só parceiros. Somente subsistirão as floriculturas destinadas aos mortos e aos cemitérios e se anunciarão em breve a extinção de alguns segmentos de novelas e programas na tv. A lei seca logo será derribada: multidões de solteiros festejarão sua decadência nos bares em altas torres de chopp e os suicidas guiarão nos volantes. É o fim da era de aquário que anunciei no ano anterior.

Com seu término jaz meu sonho antigo e nunca esquecido de viver um grande amor, perseguido com afinco ao longo deste longo e florido ano. É a desistência do olhar atravessado, do perfume, do elogio, da espera. Ou talvez eu esteja completamente equivocado em minhas previsões e a desunião de alguém represente em meus dias primaveris a minha felicidade.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008


Tudo tem o seu tempo determinado, há um tempo determinado para todo propósito debaixo do céu. Não há tempo, contudo, para todo propósito. É preciso amar e odiar ao mesmo tempo e simultaneamente guerrear e buscar a paz. Com as mesmas mãos ajuntar e espalhar pedras, e com os semelhantes lábios sorrir e espraguejar. O mesmo vento que amansa que é o mesmo que uma saia indefesa levanta. A casa que se nasce é aquela que se deve morrer. É preciso comer e decidir, usar o tempo de dormir e estudar. É preciso abreviar o tempo, despontilhar o relógio, partir mais cedo e tentar voltar. É preciso, extremamente preciso que o beijo seja no primeiro encontro e que a morte não seja postergada.
Há o tempo para trabalhar, que nunca cessa, que é dividido entre o tempo do lazer, da criação, da paciência e do saber. Um verso precisa nascer espontâneo no tempo de espera e um poeta se fazer entre mil projetos. É necessário se gastar e colher o que ainda não plantou, sugar da terra a vinha que ainda não vingou; que se faça conhecido a quem nasce, antes de nascido ser. Prever-se a partida, os lucros e as tempestades inesperadas que não se conseguirá nunca prever.
Dois amores simultâneos, três parceiros, quatro no esquecimento; é muito eficaz. Não há tempo. Nossos dias carecem de disciplina, de pontualidade, de organização, de uma mente esquecível que a tudo abarca, que liga os aparelhos que funcionarão na hora vaga. Nossos sonhos têm seu tempo, tem sua hora, produzidos hoje em dia em caixas cada vez menores.
Não há tempo para muita coisa e muitas coisas não terão tempo jamais abaixo do sol. Uma vida é muita pouca. É curta o suficiente pra se descobrir um inseto, plantar uma árvore ou desconhecer a miséria e a dor. É incrivelmente curto quando prazerosa, quando ociosa, a vida é um sopro. Por isso é conhecido que se deve julgar, retribuir e encontrar algo, nesse breve período. É preciso que s construa um futuro num dia como hoje, todo dia infenso como hoje, que o passado prevaleça e que sempre, sempre, sempre se corra, e correndo busque um momento a mais ou quem sabe a menos desse tempo insuficiente que a nós nos foi dado e que estamos sempre em desvantagem.
(sem tempo para pensar num título)

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Saudade




As reações adversas que o texto anterior causou me deixaram bastante contente; sou adepto da teoria: "Está sem ter o que fazer, crie polêmica". E o amor é sempre polêmico.



Por esses dias que estive ausente milhões de assuntos me passaram a mente, mas passaram. A sequência de dias comuns e a cadência de horas sem desespero deixaram-me ausente neste blog.


As vezes sinto saudade de escrever, escrever algo que nunca escrevi. Sempre penso redigir um texto que mereça realmente ser lido, uma nota, um verso, um pensamento humano e trivial. Outras vezes, de forma mais estranha e complexa, sinto falta, até mesmo saudades do amor que nunca tive, dos amores que nunca quis. Uma saudade imensa de tudo que brilha que traz conforto das pessoas mais incríveis dos momentos que vivi nos filmes. Talvez mais falta ainda do tempo imascercível que se foi, irreparável, como todas as oportunidades que se foram com ele. E com ele um pouco de mim que se perde a todo dia, quando encontra outro de mim, no próximo minuto. E que se encontra e que se perde de novo. Sinto uma saudade análoga a saudade, uma esperança, uma vontade, quase uma inquietude.


Gosto de estar inquieto, por muitas vezes e do sabor do desassossego.




Acho que lerei mais; acho que vou amar de novo.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Amenidade

Feliz aquele que viveu e não amou,
e se amou; não sofreu.

Triste fui eu: vivi, amei, sofri.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

pipoca ou piruá?


A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação por que devem passar os homens.O milho de pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer. Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre. Assim acontece com a gente.As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice, uma dureza assombrosa. Só elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos - Dor.

Pode ser o fogo de fora: perder um amor, um filho, um amigo ou o emprego. Pode ser o fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão, doenças e sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso do remédio, uma maneira de apagar o fogo.Sem fogo, o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.Imagino que o milho dentro da panela, ficando cada vez mais quente, pensa que a sua hora chegou: vai morrer.Dentro de sua casca dura, fechada em si mesmo, ele não consegue imaginar destino diferente.Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. O milho não imagina aquilo de que ele é capaz.

Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: BUM!E ele aparece completamente diferente, como nunca havia sonhado. Piruá é o milho que se recusa a estourar.São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A sua presunção e o medo são a dura casca que não estoura. O destino delas é triste.Ficarão duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia. Não vão dar alegria para ninguém.Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.


E você, o que é?Uma pipoca estourada ou um piruá ?

domingo, 15 de junho de 2008

Adônis ambíguo


Havia pinheiros, acredito, em volta de Adônis e de seu templo grego; e em seu leito, a cada manhã, rescendia o cheiro morno de seus amores noturnos. Bem dotado de extrema beleza e conhecido como incansável amante, desde cedo o pequeno Adônis despertara suspiros e discórdias por entre os corações desavisados. Angariava admirações diversas e por tantas vezes as dispersava que a singela grandeza de seu encanto anulava em que cada caso sua indiferença e seu desdém pelos sofrimentos alheios.
Era tão belo, os cabelos um tanto loiros e um tanto desgrenhados; se falando, se calado, por muitas vezes e tão atrativo o mistério de sua presença que Afrodite, a deusa do Amor rendera-se aos apelos amorosos do rapaz e o tomou para si. Tamanho era seu feitiço e provido de singular graça que somente aqueles cujos os olhos tiveram o privilégio de pousaram sobre si podiam elogia-lo com propriedade. Como o desconheci eu paro nesses termos.
A verdade é que o destino fatal do Olimpo e somente no Olimpo sempre se irrompe soberano, mesmo nas paixões mais verdadeiras e nos amores mais sinceros e assim destituiu a serenidade dos encontros do Amor com a Beleza. Perséfone, a deusa que vivia nas trevas teve a despeito de tantos músculos a mostra apaixonar-se por Adônis, loucamente. Na disputa entre ambas, arquitetas de um mesmo sonho e impelidas pelo mesmo desejo incontrolável estiveram a rivalizar pelo mesmo homem. Grande era a rivalidade, as angústias e troca de desaforos entre as duas, que até mesmo nosso amigo Puck, o cupido secreto e tresloucado de Shakespeare haveria de estranhar semelhantes assombros e de tudo riria muito, nas longas noites.
Dessa desavença divinal, margeada por muitos dias e por tantas esperas, surgiu entre ambas um comum acordo: a ventura resignada de compartilhar o mesmo amor. Sob a anuência de Zeus, o príncipe dos deuses olímpicos um contrato foi firmado, reservando Adônis um terço do ano sob os cuidados de Perséfone, a deusa dos abismos; outro terço, semelhantemente, sob a terna afeição de Afrodite, a deusa do amor e da beleza e por fim, quatro meses o belo jovem estaria livre de qualquer compromisso, livre de qualquer abraço e de qualquer procura. E assim foi.

Adônis, que significa “Meu Senhor”, viveu por muitas estações desse modo, assim ambíguo, como senhor de todas e de nenhuma. A ninguém jamais foi dado a conhecer sua vontade, sempre dividida entre Afrodite e as Trevas, entre o mistério e realidade, entre o mito e a verdade, entre a segurança e a vaidade, entre a presença e a saudade. Entre os abraços presentes e as promessas juradas; entre a certeza e a escolha errada; entre mim e a coisa amada.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Corpo de morte



No íntimo, um pecado me atormenta.
Um desígnio profano o alimenta.
Realiza o mal, averso ao pensamento;
Anula o bem que em meu ser intento.

Quem me livrará desse corpo de morte?
Infame, somente ao oculto se reporte,
A luta, no âmago, que a consciência abate
E a virtude gloriosa prostrada nesse embate,

Fenece. Vencida pelo desejo vil;
Ignóbil que me condena,
A morrer e a perder a vida,

Por uma vontade insana que me convida
E ao recusar-me me ordena
A ceder-lhe, e entrar em seu covil.

domingo, 4 de maio de 2008

Terrível!

Chovia muito e cheguei atrasado à aula. Precisava de atendimento urgente e imediato e a longa fila de desanimados me exigiu uma medida prática. Cheguei às barbas do idoso professor e perguntei: Onde preciso me sentar pra ter atendimento VIP?



Nunca simpatizei muito com ovos, fígado de boi e quiabos. O cheiro de ovos recém partidos me incomoda bastante e a simples visão de uma galinha choca me causa frescuras, mas sem gravidades. Recentemente desenvolvi uma estranha antipatia por abobrinhas, mas isso é irrelevante. É bem verdade que elegi coisas mais detestáveis que um punhado de gosmentos legumes.

Entre as poucas coisas que a vida me mostrou odiosa - e sinto que não sou o único -, figuram duas palavras imensas: adeus e perdão. Afinal, somente as palavras são importantes, não é mesmo. Diz a música que adeus parece ser a coisa mais difícil no mundo a se dizer. Vacilo nas duas.

Muitos mortos morreram sem minhas despedidas vãs – de que valeria? - e muitos partiram sem meu rosto ver. Visitar pessoas convalescentes sempre me constrangeu, mesmo as mais queridas. Nunca me senti à vontade para fazer um enfermo rir; e se de fato não posso fazer alguém rir, não estou à vontade; é inerente. Toda despedida se torna uma cerimônia e um emblema. Às vezes a omissão basta, pois nada alivia o fato inexorável da partida, quase sempre sem volta. Já tentei dizer adeus e gaguejei, tentei partir e tropecei. Dos que se vão, poucos conhecerão os meus adeuses.

E me desculpem, mas falarei da outra palavra depois.

P.s: até hoje, felizmente, continuo sem a resposta à minha interrogação.

sábado, 26 de abril de 2008

Postagem enjoadinha


Amores... amores?
Melhor não tê-los,
Mas se não os temos,
como sabe-los?
Se na bagunça,
Se no silêncio
Como os queremos!
Dão prejuízo,
Fazem chantagem,
Criam esperanças
E desfazem teus sonhos.
Brincam contigo,
Pedem carinho,
Desviam o caminho,
Como pequenos muros,
Te deixam na linha,
Te pedem perdão.
Resultado: reconciliação!
Depois vêm as noites em dupla
Os parentes te abraçam,
O cheque na praça,
Depois é de graça,
Depois é tensão.

Amores???
Melhor não tê-los
Noites de insônia – de amor
Cãs prematuras – matrimônio
Prantos convulsos – saudades!
Livrai-me Deus!
Amores são foda.
(Em sentidos vários)
Melhor não tê-los
Mas se não os temos,
Como sabe-los.
Como saber
Que brilho nos seus cabelos
A cada hora do dia
E que cheiro morno
na sua carne
Recém banhada.
Que gosto doce
Na sua boca!
Te abraçam, te apertam,
Te dizem adeus.
Voltam, te abraçam,
Te apertam, nos dizem.
Já vão.
Porém, que coisa!
Que coisa linda,
Que coisa louca
Que os amores nos são.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Um gato morto.


Ontem morreu em meus braços um gato cinza. Era estupidamente burro, o gato. Seguia pela calçada, com andar tranquilo e olhar displicente; de repente, atirou-se loucamente no meio da rua hostil. Talvez fosse somente um gato suicida, o que me causaria mais espanto, além do motivo óbvio. Minha intenção não é criar suspense, dramatizar ou esconder o fato irrefutável que o bichano morreu. Estupidamente.


Desviou-se da virtude de seu caminho seguro e lançou-se em baixo de um carro preto. Nem era importado, nem corria muito. Na verdade vinha devagar, parecia dar uma chance ao pequeno. Olhei e vi como o gato girou de baixo de duas rodas. Foi um espanto, ver alguém morrer assim, como numa tragédia.


Como em toda desgraça, eu era a única testemunha. Clamei por ajuda, mas a única que viria seria a minha, incauta. Nunca tinha tocado um marimbundo antes, mas a visão daquele animal estirado no chão; a boca a escorrer um filete de um sangue escuro, o corpo trêmulo, e a voz falha, a pedir misericórdia me fez querer atendê-lo. Pareceu-me profundamente arrependido, e tinha motivos. A roda lhe fez um estrago considerável.


Foi por estar ainda vivo que o tomei em minhas mãos. Nunca reparei na fragilidade óssea dos felinos e não parecia com nada mais que um monte de delicados cacos. Aqueles olhos, profundos e rotos a me mirar; um peito arfante e as pequenas patas agarradas.


Com minha mão o transgredi em seu momento fúnebre. Perdera o veludo. Oco, torpe , rude e torto. E a visão permanente de seus caninos estáticos, pálidos, cálidos, me fez concordar com Vinicius, num momento trágico, que nada parece mais com o fim de tudo que um gato morto.

domingo, 16 de março de 2008

Amenidade.

A conversa seguia agradável por entre os puffs pretos enfumaçados pelos cigarros alheios e nos surpreendemos falando longamente de animais.
Logo confidenciou-me:
- Adoro animais! Tenho um papagaio e um cão!
Ri timidamente, sem mostrar os dentes e completei:
- Nossa, então sua casa é quase um pet shop. Com um cachorro, um papagaio e uma gata!
E surpresa, respondeu:
- Mas eu não tenho uma gata.
Aproximei-me do ouvido e sussurrei pausadamente:
- A gata é a dona!

quarta-feira, 12 de março de 2008

Eu quis.


Quem nunca quis descer uma escada rolante que subia?
Quem nunca quis ousar gritar bem alto no meio da rua; estar sem meias e que ninguém notasse.

Quem nunca quis viver um grande amor.

Muitos, creio, já quiseram que o sorvete não derretesse e que a gente não se machucasse, como nos desenhos da tv. E que a celulite tivesse cura, assim como a ingratidão.

Quem nunca quis seguir carreira artística e já chorou com tudo isso. Que quis estar em dois lugares ao mesmo tempo e já desejou que Newton ou outro aí tivesse inventado o “tele transporte”. Seria bom. Seria exatamente bom se houvesse mais pizzas nos finais de semana, e nos finais de semana de todo o mundo. E que houvessem mais presentes no natal, menos comida no natal e mais no resto do ano, no ano de todo mundo.

Quem nunca quis viver um grande amor.

Quem nunca sonhou e quis que eles nunca se realizassem. Quem nunca quis comer pipoca uma tarde inteira; assistir sessão da tarde a vida toda. Tocar a campainha e sair correndo. E que o telefone tocasse agora. Que tivesse dinheiro, um amigo, uma saudade. E nunca fosse pego em flagrante e que contasse uma mentira pra ser feliz.

Quem nunca quis viver um grande amor.

Quem nunca desejou a morte e se arrependeu. Quem desejou e a encontrou. Quem já quis sair do elevador; sair de casa e poder voltar. Quem nunca quis que as pernas agüentassem um dia de trabalho e uma noite de amor.

Quem nunca quis viver um grande amor. E que ele não acabasse. Mas o amor acaba.

Quem nunca desejou ser a alguém essencial. A um amigo, amante, cão, vegetal, ao gerente do banco, às estatísticas e a um estranho, afinal.

Quem nunca quis viver um grande amor e se fodeu?

domingo, 2 de março de 2008

Insana noite



Estive a noite toda esperando
Por alguém que não iria chegar.
E, mesmo a noite toda velando,
Tenaz, resisti em acreditar.

Talvez eu já soubesse,
Do seu cruel intento,
Mas talvez eu não quisesse
Dar razão ao pensamento.

A noite tanto prometia,
E, por fim, comprometendo,
Acabou a luz do dia.

A noite, tolamente já não espero
Pra insanamente admirá-la

Agora, não sofro mais quando quero.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Não quero saber


Das longas brigas que teremos e dos ciúmes odiosos que nascerão, não quero saber.
As noites insones e os dias de espera; o tédio e a constante saudade, não quero saber.
Não quero saber das revoltas e dos planos falidos. Das expectativas lindas e dos tremendos desapontamentos que surgirão na esquina mais próxima num dia de chuva fria.

Talvez a gente se resolva mesmo. Talvez eu fique e você se vá. Nada talvez aconteça. Não quero saber. Do futuro, nosso, meu ou seu, não preciso saber.
Talvez haja uma praia agitada e monte de passos na areia; ou um leito vizinho, sem lençóis. Alguém mais na sua vida, ninguém na minha. Talvez uma vontade nunca represada e quem sabe, só a vontade, de qualquer forma.
Talvez nos amemos e vivamos. Talvez esqueçamos e vivamos. Talvez você cometa seus erros, sua tolice. Talvez conheça os meus, não quero saber. Posso apanhar numa briga de bar, ou dançar a noite inteira, não me deixe prever.
Talvez eu chegue a lhe conhecer demais; talvez me despreze, ou nem isso. Não quero saber, esqueça o futuro.
Esqueça as viagens que planejamos e as horas vagas. Esqueça os inimigos e essas manhas que sei, me perturbarão por muitas noites. As minhas lisonjas e os elogios também. Esqueça seus medos mais amigos e sua timidez venerada.

Não preciso saber de nada. Nem do entardecer, nem do amanhecer. Nem das horas escuras e os almoços boêmios, que embriagarão no meio da tarde. Suas músicas preferidas e a cor de sua íntima roupa. Não quero adivinhar. Tampouco tua presença e teus presentes de intenções; e as noites que dispensarei calado, pensando, calado, pensando, no futuro estranho, sofrível ou glorioso que faço questão em não querer saber.
Para se ouvir depois "ORdinary People", do John legend. http://youtube.com/watch?v=7jQ4jO4AwFY

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Um padre no trem.


Tem um padre no trem.

Mas que graça tem

ter um padre no trem?

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Fantasia.


- Olhe minha fantasia, papai!!!!
- Onde ela está?
- Aqui, na minha mão...
- Deixe-me ver. Mas isso é uma calcinha, cadê o resto.
- Tapa-sexo. É essa a fantasia
- Como, só isso???? Vai sair de tapa-sexo no baile de carnaval da empresa????
- E qual o problema, todo mundo vai também.
- Mas minha filha, não.
- Tenho 16 anos e posso decidir isso sozinha, malhei um ano pra poder me VESTIR assim.
- E o que vai cobrir sua bunda, seus peitos, suas pernas, e todo o resto que fazem 14 anos que não vejo?
- Quem disse que precisam estar cobertos??? O que é bonito é pra se mostrar mesmo.
- Mas estarão todos lá, meus amigos, o terrível Markito, minhas subordinadas, meeeeu chefe! Imagina os comentários da Teresa, e os olhares...Que irão dizer?
- O mesmo que o senhor diz na frente na tv! Quer que eu repita????

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Que será a divina pena que me condena a te ligar?


Há uma intensa troca de mensagens tolas pelo celular.
O verve de uma conversa comum dura horas e o msn ferve.
Desligo e o telefone toca.
Recomeçam.
Mais uma mensagem. Só risos.
Estão a cinco minutos separados e já pensam como sobreviverão aos próximos cinco sozinhos.

Trabalho facu a bronca do pai dívidas no fim do mês Ela almoço Ele Ela o show do C.P.M. Ele Ela a faxineira Ela a viagem de fim de ano Ele Ela Ela Ele. Brinca a mente, recorrente.

A dúvida inconfidente não é se ligo ou deixo de ligar. Mas se ligo, mando mensagem; cartão ou presente; se visito, surpreendo; abro o Orkut ou convido pra um sorvete de papaia com cássis numa tarde sem sol.
A romântica música sempre convida a imaginação, sempre volve os olhos para os mesmos leitos de abraços.
Que quererá comer, que filme veremos, que beijo teremos, que noite faremos, esta noite.

Respondam-me, que pode isso ser!

sábado, 26 de janeiro de 2008

A felicidade sempre está


A felicidade sempre está na esquina oposta. Vem sempre no caminho contrário, ortodoxo aos meus passos. Passa de relance, sem chance de volta. E essa dúvida me revolta e poupa o tempo. O tempo do amor, que passa, na contramão, na via errada; em paradoxo no rosto incrível; no caminho inverso a qual eu estiver.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Rosa.


Disseminou-se longamente o uso da cor rosa nas vestimentas masculinas. Antes absolutamente proibitiva e cheia de pretensões, revelando orientação sexual e escolha religiosa, hoje é vista até mesmo em roupas íntimas.
Comprei uma linda gravata rósea, para ocasiões especiais e os dias áureos. Era da mais pura seda italiana, tecida nas melhores oficinas de Milão, de um rosa discreto e elegante. Casava perfeitamente com uma camisa que mantenho, da mesma cor. Sempre arrasava nos eventos sociais e nas festas mais badaladas, quando as usava. as garotas adoravam. Ficava sensual.
Num curioso dia dei falta da custosa gravata no guarda-roupa. Procurei na lavanderia e até mesmo por entre as cuecas de lycra, sem sucesso, entretanto. Fui então a procuradora de meus bens elementares: minha mãe.
Questionei-a sobre a referida peça, que muita estima me causava; se conhecia seu provável destino. Ela se fez de desentendida, negando conhecer a tal gravata. Insisti veementemente, despetalando detalhes e preceitos. Lembrou-se, então, vagamente de uma que havia doado para um amigo carente.
- Minha gravata de 150 reais! – exclamei atônito.
Subiu-me a boca um desespero incontido, uma angústia profunda, que só extenuou-se após o terceiro desmaio... Sabia que qualquer xingamento não traria minha rosadinha de volta, como se vê nos velórios. Desmerecia o piti.
Conformei com essa falta e traição, abdicando de minha camisa favorita. Sei que agora estou aquém da moda, renegado a usar cores ultrapassadas e sem estilo. Hoje perdi a confiança nos cuidados maternos e vivo desconsolado, imaginando que outro está provando do meu mel.Hoje nem sei se comprarei outra, ou se desisto da vida. O namoro entrou em crise e fugi de casa três vezes. Só não cedi as drogas, que ao contrário de minha gravata, estão fora de moda.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Porco!

Quando nasceu não puderam nomeá-lo. Chamaram-no simplesmente de Porco. Tem todas as características suínas, mas não se sente como tal e não admite. Irrita-se e não atende.

Seu focinho, seu rabinho retorcido e suas cobiçadas costeletas são de porco. Mas ele não se apraz da lama como os demais e nem de restos humanos, quando se lançam no chiqueiro. Sempre preferiu o silêncio e a solicitude de um animal útil. Gostaria de participar em outras atividades do senhorio, de ser chamado de amigo. Mas o chamam de Porco, simplesmente.

Ele não corre muito, nem tem o olfato desenvolvido. Tem uma visão deficiente e tende a ser visto como prato de festividades. Nunca se olhou no espelho, mas sabia. Não era – definitivamente – um suíno. E nem poderia.

No entanto não entendia como o mundo assim o via. Tentou, sob todas as possíveis formas convencê-los do contrário e ser querido um pouco. Mas era um querido porco.

Após tantas e tamanhas tentativas deve seu devido esforço retribuído.

Uma escura tarde, estando solitariamente entre os pastos verdes, foi surpreso. Nem pôde ver quem o suspendera no colo e nem mesmo teve reação de gritar quando a lâmina afiada transpassou-lhe o pescoço nu. Não sentiu nada.

E, naquela tarde, redimido pela morte, recebera nomes diversos. Não poderia, mas ficaria feliz se ouvisse.
Bacon. Toucinho. Costeletas. Pernil. Lingüiça. E tantos outros, menos Porco, que o entristecia tanto.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

As mágoas de agora



Hoje sei a razão de Casimiro sentir tantas saudades da aurora de sua vida, de sua infância querida que os anos levaram e nunca trarão mais. Eram tempos ditosos, de eternos mimos, sem as muitas preocupações de hoje. A vida seguia o curso manso de um rio tênue e desaguava na lagoa finita das vicissitudes pueris.

Quem sobreviveu à crise interminável da adolescência e os súbitos suicidas da puberdade haveria de encarar as preliminares da vida adulta – a juventude – como a volta dos anos serenos de outrora. Mas há sempre surpresas.

As mágoas de agora, como as conhecemos e nos impõem – a necessidade do sustento e a ganância pelo dinheiro, as futilidades de uma noite dançante, a busca incessante do eterno amor, e as pacatas disputas de um cotidiano que vai durar muito ainda - declaram que algo mudou. O barulho das guerras, e o desemprego. A morte e a paternidade. A crise aérea e a corrupção. Os palestinos e os skinheads. A moda e a nudez. As contas e as compras. Ai que saudades.

Quem nunca colheu mangas ou repousou à sombra das bananeiras haverá de comprá-las agora. Escolher os melhores frutos e dá-los aos filhos; do suor recém descoberto, da labuta ainda em face aprendizagem. São novas tardes, raramente fagueiras; os céus continuam lindos, nas noites insones e as manhãs, mais curtas, nos despertam ainda cheios de manhas.

O mar é de ressaca, o céu um manto poluído, o mundo uma oportunidade dourada, e a vida um hino de amor – a ser entoado. E é preciso olhá-los com desvelo e ao futuro com simpatia.

E então quando em questionamento, nos surgir a dúvida sobre qual FOI o melhor ano de nossa vida, pensemos em 2008.