segunda-feira, 30 de junho de 2008

pipoca ou piruá?


A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação por que devem passar os homens.O milho de pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer. Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre. Assim acontece com a gente.As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice, uma dureza assombrosa. Só elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos - Dor.

Pode ser o fogo de fora: perder um amor, um filho, um amigo ou o emprego. Pode ser o fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão, doenças e sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso do remédio, uma maneira de apagar o fogo.Sem fogo, o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.Imagino que o milho dentro da panela, ficando cada vez mais quente, pensa que a sua hora chegou: vai morrer.Dentro de sua casca dura, fechada em si mesmo, ele não consegue imaginar destino diferente.Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. O milho não imagina aquilo de que ele é capaz.

Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: BUM!E ele aparece completamente diferente, como nunca havia sonhado. Piruá é o milho que se recusa a estourar.São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A sua presunção e o medo são a dura casca que não estoura. O destino delas é triste.Ficarão duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia. Não vão dar alegria para ninguém.Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.


E você, o que é?Uma pipoca estourada ou um piruá ?

domingo, 15 de junho de 2008

Adônis ambíguo


Havia pinheiros, acredito, em volta de Adônis e de seu templo grego; e em seu leito, a cada manhã, rescendia o cheiro morno de seus amores noturnos. Bem dotado de extrema beleza e conhecido como incansável amante, desde cedo o pequeno Adônis despertara suspiros e discórdias por entre os corações desavisados. Angariava admirações diversas e por tantas vezes as dispersava que a singela grandeza de seu encanto anulava em que cada caso sua indiferença e seu desdém pelos sofrimentos alheios.
Era tão belo, os cabelos um tanto loiros e um tanto desgrenhados; se falando, se calado, por muitas vezes e tão atrativo o mistério de sua presença que Afrodite, a deusa do Amor rendera-se aos apelos amorosos do rapaz e o tomou para si. Tamanho era seu feitiço e provido de singular graça que somente aqueles cujos os olhos tiveram o privilégio de pousaram sobre si podiam elogia-lo com propriedade. Como o desconheci eu paro nesses termos.
A verdade é que o destino fatal do Olimpo e somente no Olimpo sempre se irrompe soberano, mesmo nas paixões mais verdadeiras e nos amores mais sinceros e assim destituiu a serenidade dos encontros do Amor com a Beleza. Perséfone, a deusa que vivia nas trevas teve a despeito de tantos músculos a mostra apaixonar-se por Adônis, loucamente. Na disputa entre ambas, arquitetas de um mesmo sonho e impelidas pelo mesmo desejo incontrolável estiveram a rivalizar pelo mesmo homem. Grande era a rivalidade, as angústias e troca de desaforos entre as duas, que até mesmo nosso amigo Puck, o cupido secreto e tresloucado de Shakespeare haveria de estranhar semelhantes assombros e de tudo riria muito, nas longas noites.
Dessa desavença divinal, margeada por muitos dias e por tantas esperas, surgiu entre ambas um comum acordo: a ventura resignada de compartilhar o mesmo amor. Sob a anuência de Zeus, o príncipe dos deuses olímpicos um contrato foi firmado, reservando Adônis um terço do ano sob os cuidados de Perséfone, a deusa dos abismos; outro terço, semelhantemente, sob a terna afeição de Afrodite, a deusa do amor e da beleza e por fim, quatro meses o belo jovem estaria livre de qualquer compromisso, livre de qualquer abraço e de qualquer procura. E assim foi.

Adônis, que significa “Meu Senhor”, viveu por muitas estações desse modo, assim ambíguo, como senhor de todas e de nenhuma. A ninguém jamais foi dado a conhecer sua vontade, sempre dividida entre Afrodite e as Trevas, entre o mistério e realidade, entre o mito e a verdade, entre a segurança e a vaidade, entre a presença e a saudade. Entre os abraços presentes e as promessas juradas; entre a certeza e a escolha errada; entre mim e a coisa amada.