sábado, 31 de janeiro de 2009

Astolfo!


Astolfo era um dos poucos homens que se importava com a opinião alheia. Nunca saia de casa sem passar ao menos sete vezes em frente do espelho, conferindo todas as possíveis falhas no seu visual impecável, retocando os vincos em suas calças de cambraia. Iniciou esse ritual desde que Dorinha o abandonara alegando falta de asseio.

- Você é desleixado, Astolfo! Você nunca depila os cabelos do pé e ainda arrota enquanto dorme.

Na verdade ele nunca tivera muito sucesso com as mulheres. Sua última namorada era de meia idade - caminhando para a idade antiga - e ambidestra, o que ele considerou uma útil e prazerosa proeza. Mas ela o trocou por um casal de gêmeos, que a usavam simultaneamente. Tentou parceiras mais jovens, mas elas estavam mais preocupadas com suas caspas, do que com suas necessidades sócio-afetivas. Viviam citando estilistas intencionais em línguas profanas e nunca aceitavam seus sapatos de couro de leopardo, comprado na única vez que foi ao exterior, nas aldeias primitivas da Tanzânia. Além dos sapatos, Astolfo trouxe consigo a idéia fixa de que mulher honesta era aquela que garantia o almoço com lanças na mão.

Usava um produto capilar específico, que disciplinava seus longos e negros fios, repartindo-os ao meio, igualmente distribuídos. Aparava todos os dias a barba rala, exalando sempre um cheiro de menta com hortelã do pós-barba comprado em liquidação. No armário antigo que herdou dos pais guardava as camisas, as calças e os acessórios colecionados ao longo dos anos. Cintos de várias cores e posições políticas, botas, broches, chapéus e até um chicote, adquirido por impulso, por influência da Anastácia.

- Querido, você já praticou sodomia?

Mas antes que pudesse experimentar todos os ritos de Sodoma, Anastácia foi presa, tentando usar frutas e outros artigos alimentícios para fins impróprios. Aquele imenso chicote de couro não foi mais utilizado; afinal o que pensariam se um homem solteiro normal e saudável usasse um artigo daqueles. E ele sempre se importava com a opinião dos outros. Era comedido com as palavras, nunca proferia palavras torpes ou adjetivos na hora errada. Fazia questão de conjugar os verbos corretamente e sempre ter um trecho de música para citar em momentos líricos.

- “Minha querida pequerrucha,
aqui nas mãos trago essas flores e essas unhas...”

Fazia questão de chamar toda nova pretendente de madamoseille, a menos que descobrisse que era casada. Chamava-a nesse caso de “vadia”.
Hoje, especialmente hoje que tinha um importante encontro com uma ex-militante do comunismo na Albânia, loira e tocadora de gaita; não achava um cinto adequado que ornasse com suas calças listradas espanholas, estava ridículo. Observando-se no espelho, convencido de que não estava trajado decentemente, foi tirando todas as peças, uma-a-uma, recompondo novamente o visual, começando dessa vez pela camisa bordô de linho italiano. Afinal, a opinião alheia importava e ele queria estar impecável.

domingo, 25 de janeiro de 2009

cito


Meu nome é Márcio Roberto de Barros Monteiro; me chamam de cito e eu não sei porque. Algumas coisas sobre mim nunca poderei explicar. Nunca entenderei a razão de ter nascido assim exatamente como sou. Nunca explicarei porque nasci paulistano, branco, sagitariano e canhoto. Meu cérebro funciona diferentemente de noventa por cento da população, nos dois hemisférios. Surgem idéias, conceitos, iras e serenidades nos diversos lobos que me recheiam o crânio. Meu canhotismo pode determinar meu gosto musical, minha paixão exacerbada por cinema e minha dificuldade em amar. Talvez seja a influencia má dos signos do Zodíacos. O fato é que milênios de recombinações genéticas formaram minha complexidade física e intelectual até eu surgir, não exatamente como queria, mas como sou. E isto é fantástico.