domingo, 15 de fevereiro de 2009

m u r i l o


do espanhol, “pequeno muro”

Do murilo que entre nós havia, uma muralha imensa se ergueu e sempre invencível. A princípio comecei contando as horas e depois os dias que logo se transformaram em semanas e em meses. Agora não conto mais nada, nem mesmo com a esperança.

Já pensei em te beijar e então partir; em fugir e então voltar. Já pensei gritar-lhe o nome e me esconder; te xingar e me arrepender. Já considerei o fato de nunca ver-te, de ter-lhe, por uns tempos, por uns braços; de negar-lhe, de ceder-lhe. Já pensei na existência, decadência, no amor e na solidão. Já pensei que poderia amar e ser amado, por um dia nesta vida. Já pensei em buscar-lhe e esquecer; em me entregar e me esquecer. Agora não penso mais nada.


domingo, 8 de fevereiro de 2009

Diplomacia fraternal


Minha irmã neste domingo teve a audácia de negociar a faxina de meus pertences por alguns trocados. Eu deveria despender de poucos reais em troca de uma quantia de peças de roupas lavadas e de varridas de vassoura. Jurou que só limpava meu quarto mediante um pagamento mensal. Objetivei-me absolutamente contra essa barganha, uma verdadeira afronta ao fraternismo imperante em casa. Irmãos não negociam com irmãos; ainda mais dentro do recinto sagrado do lar, onde coabitam todos os segredos da família. Usei de vários argumentos tentando concentrar na irracionalidade da proposta, sugerindo que como desocupada e mulher ela devia se ater nos afazeres domésticos sem dramas.
- Mas eu preciso fazer minhas unhas, vejam como estão encravadas.

Dissertei sobre essa tentativa infrutífera de voltar às origens primevas do capitalismo, onde um tanto de serviço corporal era trocado por dinheiro e cujas garotas de vida fácil fundaram. Era um absurdo, até uma covardia envolver a limpeza das minhas roupas íntimas numa negociação financeira. Como eu poderia fazer escambo com minha necessidade de conforto e higiene. Sugeri que ela continuasse a manter o serviço sem restrições e sem compensação monetária. Seria como um pôquer entre amigos: sem apostas ou ameaças; ganhos ou perdas. Insatisfeita com minhas argumentações, passamos da proposta tímida e amigável ao canibalismo fraternal, mordendo-nos doloridamente sem passar pelo estágio intermediário da troca de acusações e insultos. Rolamos abaixo alguns degraus na escada metafórica da Diplomacia e da escada literal, num vão de pé-direito duplo.
Terminados os curativos eu conclui: o capitalismo e suas negociações implícitas podem ser desfavoráveis e dolorosas; e observando as mulheres, cada vez com mais critérios, só posso concluir que não são humanas. Sem restrições de parentesco.