quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

O bocejo - um conto



Jogou a pituca do seu penúltimo cigarro pela janela escancarada do táxi em movimento.A madrugada avançava e seria a derradeira viagem daquela interminável noite. Alberto já contabilizara dois dias sem dormir - não tinha sono. Desde que Rosilda o deixara para viver com outra, um mês atrás, suas horas noturnas haviam se tranforamado em suplícios programados. Talvez precisasse dormir um pouco.
Tinha medo da noite e já sofrera diversas agruras: travestis enfurecidos, assaltos repentinos, sequestros a até briga de casal. Dirigia cauteloso. Na mais badalada avenida da capital paulista uma mulher em vermelho fez sinal. Entrou e limitou-se a pronunciar uma palavra: seu destino. O motorista estava alerta: mulher sozinha, bonita, alta e vestindo rubro às quatro da madrugada não era bom sinal. Entretanto, não resistiu às suas pernas e seios discretamente exibidos. Contemplativos. Era linda.
Ela segurava rijamente sua bolsa e permanecia calada, nada disse. Alberto, temeroso, sussurrava algo. Silêncio. Pelo retrovisor pôde perceber um objeto metálico no interior da bolsa da estranha. Por um instante desviou seu olhar para o rosto da mulher e nada pôde traduzir, nenhum prenúncio de assalto ou perigo. Não era dada ao latrocínio, julgou.
Fitou-a novamente e visualizou um ponto branco em seus dedos. Enfiou-os na boca asperamente. Teve a impressão, pela tênue luz que atravessava os vidros fumê de vê-la chorar. Uma lágrima solitária e dolorida. Ia inquiri-la quando fora interrompido pelo brilho súbito de uma luz a sua frente. Era a polícia. Havia sido bloqueada a via e fora obrigado a parar. A moça agitou-se. Logo ficou rubra e arfante. Parecia estar com medo, ou pior.
A mulher parecia suar e quase gritou de pavor quando soube que teriam de cruzar a barreira policial. Apertou a bolsa, como se salvasse sua vida. Retesou-se. Alberto temeu abrigar em seu táxi uma fugitiva ou uma louca. O que ela havia tomado, considerou. O que faria se a polícia encontrasse uma suicída em seu carro. Procurou seu último cigarro. Tateava, tenso, e não o encontrava. Ouviu, entretanto as batidas firmes no vidro do carro: deveriam sair.
A estranha saiu relutante do carro. De longe Alberto a observava, com atenção. Seus documentos eram checados. Tentava ler-lhe os carnudos lábios ou decrifar os movimentos. Subitamente todos os olhos tornaram para ele. Retesou-se. Os homens da lei vinham em seu encontro, a passos largos. O coração dispára. Sobe-lhe uma náusea à boca; cai o semblante. Era tarde pra fugir e não havia razão pra tal. Não se lembrava de uma. Não instante eterno que se tornou aquela cena, pensou no pior, decididamente. Cerrou os olhos, em expectação, quando ouviu o comando "vai pra casa".
Olhou pela última vez pelo retrovisor sua breve amada. E divisou-a entrar na viatura hostil. Tentou encontrar seu cigarro, em vão. Estava mais calmo, agora. Pensava no acontecido. Surpreendeu-se em suas conclusões, bocejando. Foi pra casa dormir. Estava exausto. Estava finalmente com sono. Iria finalmente dormir. Iria sonhar com ela.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nuuuuuuuussa... que conto!!!
Gostei!!
Me fez até imaginar todas as coisas!!
Tem continuação?!
auIHaiUahuiah
Tá tá... eu sei... contos são curtos!
Mas seria legal heein?!


Bjs