domingo, 4 de novembro de 2007

Corpo em Evidência


Eu era um respeitado comissário de bordo em mais uma viagem com destino a antiga Manchúria, a terra dos prazeres orientais. Sempre realizei com afinco meus aéreos serviços. Meu corpo juvenil e beleza singular sempre me colocava em situações constrangedoras, inclusive com uma recatada aeromoça, que insistia em me trancar nos banheiros.
Nada era mais constrangedor, contudo, que passageiros com animais. Certa vez tive de rastejar em busca de uma iguana raríssima da Guatemala, que até não hoje não a encontrei, entre os assentos do avião. Havia animais pacíficos; ficavam ali sentados, a contemplar os céus, a bebericar vinhos e encantar crianças. Uns até divertiam os vôos. E minha intolerância com os irracionais diminuía a cada viagem, o que se tornou, como pude comprovar com desgosto, um embaraçoso embuste. Esses cachorrinhos lindos, peludinhos, mesclados de marrom e branco que herdam milionárias fortunas – cuja raça eu desconheço – costumam fazer grande sucesso na viagem. Percebi que um deles simpatizou comigo desde o embarque. Abanava o curto rabo e me lambia os pés. Acenava com a língua pra fora e confesso que me despertou cumplicidade. Estava acompanhado de uma senhora corpulenta, enérgica e com uma bolsa original da Luis Vuitton. Foram pra primeira classe.
Fazendo minha costumeira vistoria por entre os assentos, percebi algo me roçando os sapatos recém lustrados. Era o pequeno Robbie, como o chamavam – em homenagem ao cantor, porque segundo a dona, os dois tinham o mesmo bumbum irresistível.
No começo sorri e retribui com alegria aos apelos do canino. Agradei a ele e a dona, principalmente. Mas longe dos olhares da Madame o ignorei. Juro que tentei me desvencilhar os gracejos do animal até que me irritei. Chamei-o de vira-latas e nem assim ele me largou. Sacudi-o violentamente pelo pescoço até que ouvi um singelo “TLEC”. Mirei profundamente nos olhos, que antes alegres e úmidos, agora jaziam fechados e murchos. A língua pendurada pra fora e os pulmões parados.
Só então percebi que tinha um cadáver em minhas mãos. Fiquei atônito com a possibilidade do assassinato, ou quem sabe de prisão! Ouvi femininos e distantes passos, em demoradas passadas a ser aproximar... um horror repentino me tomou as veias e tremi ao sentir a maçaneta protetora lentamente girando. Calado esperei. Eu não podia ser descoberto. Não podia perder o emprego. Eu não podia ser um assassino. Eu não podia....

Essa história, verídica e trágica está ficando muito longa, mas prometo que na próxima semana, eu conto o final – para os que voltarem é claro.

12 comentários:

Jaya Magalhães disse...

Essa história de textos sem desfechos tá cansando minha beleza, ô Cronista! Rs.

Você matou Robbie, e isso é realmente triste. Agora, vê se não demora pra colocar a continuação!

Um abraaaaaaaaço.
=*

Patrícia disse...

Realmente, você sabe como prender os leitores..

e porra, verídica mesmo ou você está só zuando? o.o
coitado do bixinho, poxa

bom, faz anos que não viajo de avião e dentre todas as vezes que viajei, nunca houve se quer um animal.Sei lá, pode até incomodar, mas não ao ponto de estrangular o coitadinho =(


escreves muito bem

bjao

Anônimo disse...

Ai ai, me deu até vontade de estrangular um...

(Marta Selva) disse...

huaehuaehuae!
minha nooosssa
eu nao acredito que tu mataste o coitado do robbieee!!!

Edna Federico disse...

Muito obrigada pela visita e comentário.
Beijo

Bel disse...

Bom, a raça da foto é Yorkshire Terrier, e eu tenho uma, Mel. Ela não é nem um pouqinho sociável à primeira vista, mas depois se derrete querendo carinho.

Mas suspeito que a história não é verídica, porque nem na primeira classe animais viajam de aviãaaaao!!! kkkkkkkkkkk Então, mô fio, arrume logo um final, porque esse sonho tá na hora de terminar!!!

Bjo!

Uma mulher disse...

Nãaaaaaaao Nãooooooo, odeio histórias sem finais, ou cenas do próximo capítulo.. Estava tão compenetrada na tua história. Morri de ri imaginando vc procurando uma Iguana hahaha. Qnt aos cãezinhos, tem uns que são um pé no saco, prefiro os enormes, robustos e "malvados", odeio cachorro de madame, apesar do meu não ser muito diferente haha. Quanto aos banheiros dos aviões " ai ai" suspiros, sou louca pra "testar" um ahhaha :)

Beijooooooooooos adorei o blog

Vinícius Rodovalho disse...

Cuja raça eu também desconheço. Rs. Mas não por aversão. Apenas falta de interesse.

Contudo eu tenho aqui por mim que você não matou o coitado. Essas histórias-sem-fim não me enganam! Rs. Ou será que matou?

Enfim: o final (deste capítulo) me deu tanto medo, tanta angústia, que me lembrou J. K. Rowling. Não pela angústia - rs - mas pela bela e detalhista narração.

Morganna disse...

estudante de arquitetura e escreve? rá.
ganha um sorriso bem grande. ;DDD


coitado do robbie. :(

Morganna disse...

é pq fiquei feliz quando encontrei um arquiteto que tbm escreve. ;~
quero fazer arquitetura também. ;)
tá, eu sei que arquitetos tbm escrevem, mas não é tão normal assim, arquitetos terem blogs que não falem tão somente de arquitetura.
e o texto é do manoel de barros. :]

Ana Nogueira Fernandes disse...

tu foi demitido?
A dona dele abriu um processo contra ti?
Ele morreu? tadiiiinho...


saberei no proximo episodio.

Menáge à Trois disse...

me fala que é brincadeira, por favor.

Beijos!