sábado, 17 de novembro de 2007

Corpo em Evidência - FINAL

Reúno toda a coragem em mim ainda persistente pra terminar o inusitado episódio que me dispus a narrar:
A maçaneta girou e quando abriram-se as portas, para intenso alívio, minha amiga comissária adentrou no recinto. Espantou-se com o corpo jacente um minhas mãos limpas, mas tratei de aliciá-la. Cobrei-lhe os sexuais favores que me devia, pois eu tinha um plano fácil. Iríamos colocar o adorável Robbie – agora mais adorável do que nunca – de volta no cesto confortável que ele deveria estar desde o início. O caminho era longo e a tarefa ousada, mas nada mais poderia ser feito, além de anunciar uma morte súbita e espontânea.
Era um cachorro agitado e vívido, e num desses acessos de alegria, ele morreu por própria ação. Sem nenhuma testemunha ou culpado. Eu tinha de despistar a Velhota enquanto minha companheira iria realocar o corpo no cesto plácido de nossa trama.
Assumi riscar minha impecável imagem de comissário e derrubei com gosto uma generosa taça de vinho no colo majestoso da Opulenta. Enfurecida, convidei-a pra se limpar no toillet. Ao tocar nesse substantivo francês, sentiu uma inesperada falta de seu cachorro amigo. Gritou seu nome e aflita pôs-se a ordenar uma busca. Tentei tranqüilizá-la, convencendo-a do bem-estar do canino: “Ele deve estar deitado por ai”. Aproveitamos de seu desespero pra recolocar a vítima no cestinho. E indicamos que ela procurasse ali.
Lentamente dirigiu-se a ao rico cesto de plástico que envolvia o corpo inerte do pequeno Robbie. Seu espanto foi instantâneo e confesso que tremi. Seguiu-se um choro prolongado e escandaloso por todo o avião. Ela não se convencia de sua morte – nem eu, como tratei de demonstrar. Especulou envenenamento, traição; mas o óbvio foi apresentado concisamente.
O enterro oficial aconteceu dias depois da autópsia. Exumaram o corpo em busca de vestígios, mas a única anomalia era o pescoço quebrado. A Viúva, como se denominou depois, passou os meses seguintes a essa trágica morte em recuperação, numa clínica com decoração tailandesa.
Hoje sinto algum remorso pela morte do cão que herdaria uma fortuna. Não posso, entretanto, desprezar esse imenso conforto que foi a impunidade desse crime. Segui, triunfante, meus rotineiros vôos ao redor do mundo, desprezando cães, passando o maior tempo das viagens nos apertados toillets com aeromoças gentis.

6 comentários:

Vinícius Rodovalho disse...

"Agora mais adorável do que nunca". Rs.

Excelente final. Mas não esperava tal desfecho impune. Quando a maçaneta foi tocada, pensei ser a "viúva". Rs.

Uma última questão: porque a decoração da clíica era tailandesa?

Té mais.

Jaya Magalhães disse...

É uma pena ver como até aqui a história de repete. IMPUNIDADE.

Só não sei como a pessoa consegue seguir triunfante depois de realizar tal feito.

Tem algum coração aí dentrooo? Rs.

Abraço, Cronista insensível!
=*

arielle disse...

ADOREI!

Se ele fosse impune, seria mais um Romantismo do que um REALISMO. Seria previsível demais né?!
Acho muito legal textos surpreendentes! Mesmo que não tenha um final "justo".

Saudade!

beijos

Ana Nogueira Fernandes disse...

Pobre Robbie.
Descanse em paz.

AB disse...

A "viúva" já encontrou novo herdeiro?

(Marta Selva) disse...

meuDeus!
primeiro.. "tadinho do robbie" uma pinóia.
eu odiaria ver toda uma frotuna sendo herdada por um cachorro mimado.
ta.. apesar da frase acima ter saido meio cruel.. sim..eu tenho um coraçao.
mas.. fala serio.. pelo menos a viuva vai ter com o que gastar a fortuna dela.. nem q seja com pscicologos e clinicas.. hehehe.

inda acho q vc deveria ter se oferecido pra " consolar" a viuva.. daih vc ia ficar com a grana
aueuhae
;*