domingo, 15 de abril de 2007

Língua!


Fui visitar o Museu da Língua Portuguesa. Aliás era pra visitar a Pinacoteca, mas estiquei o passeio. E o fiz com gosto. O museu que estreou em março de 2006 vem recebendo muitos elogios e fui conferir.
Realmente o passeio é interessante. Curto, mas emocionante. O ápice chega na apresentação de um telão, que conta brevemente a história da língua e bravamente o poder que ela têm. E em seguida nos mostra uma seleção bem interativa e visualmente interessante dos mais bem arquitetados textos da língua portuguesa. O museu ainda trata da longa etimologia da língua, desde suas origens arcaicas, até os neologismos atuais, passando por todos povos e épocas dos quais somos feitos. Pois afinal, falamos português. Pensamos em português. Sentimos em português. Criamos em português. Gostando ou não.
A partir de hoje será difícil usar a língua da mesma forma como até hoje. Já não poderei falar, pensar ou mesmo escrever da mesma forma. A forma da palavra, da letra, as construções, a comunicação única e humana da fala. Pensar nela como um instrumento vivo que consegue construir mundos e destruir nações. Que nos tira a condenação de viver no presente e deixar o passado no esquecimento.
Hoje, no dia da mentira, conto essa verdade e essa emoção.
De todos falarmos a língua, a sentença, a idéia, a verdade portuguesa.

Abaixo segue um trecho do Poema a procura da Poesia, do Carlos Drummond de Andrade:

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escurosão indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a naturezanem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,não indagues.
Não percas tempo em mentir.Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de famíliadesaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhastua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consumecom seu poder de palavrae seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema.
Aceita-ocomo ele aceitará sua forma definitiva e concentradano espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada umatem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:Trouxeste a chave?Repara:ermas de melodia e conceito elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Nenhum comentário: