sexta-feira, 18 de abril de 2008

Um gato morto.


Ontem morreu em meus braços um gato cinza. Era estupidamente burro, o gato. Seguia pela calçada, com andar tranquilo e olhar displicente; de repente, atirou-se loucamente no meio da rua hostil. Talvez fosse somente um gato suicida, o que me causaria mais espanto, além do motivo óbvio. Minha intenção não é criar suspense, dramatizar ou esconder o fato irrefutável que o bichano morreu. Estupidamente.


Desviou-se da virtude de seu caminho seguro e lançou-se em baixo de um carro preto. Nem era importado, nem corria muito. Na verdade vinha devagar, parecia dar uma chance ao pequeno. Olhei e vi como o gato girou de baixo de duas rodas. Foi um espanto, ver alguém morrer assim, como numa tragédia.


Como em toda desgraça, eu era a única testemunha. Clamei por ajuda, mas a única que viria seria a minha, incauta. Nunca tinha tocado um marimbundo antes, mas a visão daquele animal estirado no chão; a boca a escorrer um filete de um sangue escuro, o corpo trêmulo, e a voz falha, a pedir misericórdia me fez querer atendê-lo. Pareceu-me profundamente arrependido, e tinha motivos. A roda lhe fez um estrago considerável.


Foi por estar ainda vivo que o tomei em minhas mãos. Nunca reparei na fragilidade óssea dos felinos e não parecia com nada mais que um monte de delicados cacos. Aqueles olhos, profundos e rotos a me mirar; um peito arfante e as pequenas patas agarradas.


Com minha mão o transgredi em seu momento fúnebre. Perdera o veludo. Oco, torpe , rude e torto. E a visão permanente de seus caninos estáticos, pálidos, cálidos, me fez concordar com Vinicius, num momento trágico, que nada parece mais com o fim de tudo que um gato morto.

11 comentários:

Anônimo disse...

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entre-caminhos disse...

que triste!
=/

Frida Salobra disse...

Nem com toda a maestria que tu conduzes esta prosa ameniza a dor que senti ao ver desfilar em minha mente a morte trágica e cruel do gato.


beijocas!

Jaya Magalhães disse...

"Como em toda desgraça, eu era a única testemunha."

Azarado, você! Neeem duvido que você atraia essas desgraças. Lembrei do texto do cachorrinho no avião. E de alguma coisa sobre um porco. Sei não, mas os animais nunca se dão bem nas tuas histórias! Rs.

Até que enfim postou, né?
É sempre bom ler tuas histórias.

Beeeeijo!

Vinícius Rodovalho disse...

Nunca me aconteceu de ver a morte agindo. Mortos, já vi várias vezes. Mas o momento exato da "viagem", nunca. Imagino o quanto que deve paracer o fim de tudo. E é, de fato. Para o pobre bichano, é o fim de tudo.

Mas a fragilidade do gato, notada naquele trágico momento, não se restringe a ele. Todos somos feitos de material perecível e, um dia, inevitavelmente, pereceremos.

O que fica da história do gato? O famoso lema árcade: Carpe Diem.

Anônimo disse...

A morte chega para todos, pena que para alguns chega mais dolorosa que para outros. Pobre gato!

Araúja Kodomo disse...

Oh que tristeza...
Eu tenho um gato e nem quero imaginar...

Obrigada pelo teu comentário :) ***

Liz / Falando de tudo! disse...

"Foi um espanto, ver alguém morrer assim".... kkkkkkkkkkkk
Sei que foi uma tragédia sim, mas como você conta da outra conotaçao a historia!! Gostei do seu blog! Venha me visitar!

Silêncio de Chumbo disse...

uma morte, mesmo a de um gato, mexe muito com a gente...

Unknown disse...

"morimbundo" Marcio.
sei o que eh isso, mas pros transeuntes que veem depois a mancha... é só uma mancha marrom no chão.. entende.
abraço

Darshany L. disse...

voltaste ;)