sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A gorda


Olha a gorda à magra e a inveja,
Sua rotunda face lhe condena.
E a expressão da fúria que projeta,
Contrasta com sua banha amena.


E recorda arrependida da matula
Generosa que meteu na pança,
E a memória dessa farta lembrança
Desperta-lhe uma intensa gula.
Brota novamente, no interior, a fome;
Devora tudo, nesse acesso repentino;
E impedida de pensar enquanto come,
Consome mais, antes da anterior chegar ao intestino.

Seus motivos para estar feliz e obesa,
Estão todos num recanto, sobre a mesa,
Reflete, arrotando sem apetite,
E geme, aflita, um começo de gastrite.

domingo, 12 de agosto de 2007

Sal!


- Sal! Você serviu uma colher cheia de sal a um hipertenso!? Numa crise de hipertensão!
Tá certo. Eu deveria pesquisar coisas úteis na internet. Além de só ficar conversando, namorando, colecionando fofocas de famosos e amenidades, eu deveria definitivamente procurar coisas que pudessem salvar a vida das pessoas. Deveria ter pesquisado um dia: quais os malefícios do sal para uma pessoa com pressão alta; ou quais vegetais são benéficos pra hemorróidas. Coisas do tipo. Não deveria só fazer sexo virtual, o que considerei depois muito constrangedor, especialmente quando se descobre a inutilidade de se usar uma camisinha nessas relações analógicas.
Quando vi meu treinador contorcendo-se no chão, espumando como um poodle raivoso, e com ar diabólico, a única coisa sã que me veio a mente foi lhe dar uma farta colherada de sal. Instintivamente. Nem sei bem por que.
O sal já era usado há mais de 6000 anos pelos egípcios e não se comenta nenhum malefício entre eles. Só benefícios. Os romanos os usavam para pagar suas legiões e fundaram, o que no Brasil, só alimenta famintos, o salário. Foi por ele que o império otomano ruiu. (Foi?). E por causa dele que chegaram a América. Enfim, o sal é tudo nessa sociedade do prazer. Do consumo. Não importa o que queime na sua barriga. O importante é o gosto que proporcionou.
Sou apenas um bailarino e diante do ataque súbito de meu mestre, espontaneamente associei-o a um jabá. Isso mesmo, carne seca, que se conversa a sal. Não que ele se pareça com carne de sol, mas de repente funcionaria com as mesmas propriedades preservativas.
Descobri no hospital que não tinha. E pela boca voraz de uma enfermeira de meia idade, possivelmente neurótica. Ficou ali especulando. Eu respondia firmemente que não tinha motivos para matá-lo. Ele nunca me batia, ou me ofendia, nem mesmo me aborrecia. Somente seu sotaque russo me incomodava, mas não era motivo pra alardes. Neguei que ele me obrigava a fazer coisas estranhas. Eu sabia que contorcer-me e forçar-me a abrir as pernas daquela maneira era parte do seu trabalho. Neguei tentativa de assassinato, aborrecido. Uma ignorância considerada como crime. (a polícia me interrogou também).
Fiquei feliz quando ele saiu do hospital, lúcido. Não comeu nada salgado naquela semana. Não comentou nada. Somente agradeceu-me por eu ter salvado sua vida – fui eu que acionei o socorro.
Agora faço coisas úteis na net. Leio a Barsa todo dia. Hoje aprendi os 99 métodos de cortar uma cebola; três maneiras de pedir licença em turco e o nome de todas capitais do Vietnã.
Não sei se salvarão alguém. Mas é melhor que gemer virtualmente, ou ser preso.

PS.: Baseado (por incrível que pareça) em fatos reais.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Lá vem a primavera!


Aproxima-se a perigosa época dos namoros. Lá vem a primavera!
Como a murta floresce, após meses infindáveis de esquecimento, embaixo da terra gelada, vem a primavera. Casais se juntam aos pares. Juntam-se para a procriação. Juntam-se para amar e para trair. Lá vem a primavera.
Por onde vou, por onde estou, mãos dadas e corpos colados, preparando-se para a crise do fim do inverno. Lá vem a primavera.
E com ela a carência. E querença desesperada e a busca desenfreada em achar um par.
Na faculdade, várias duplas aparecerem juntas, após o período de hibernação das férias. Assumidamente ou não. Amigos de longe e de perto. Estranhos na rua. Meu avô de 80 anos. A cadela da vizinha. Os mais tímidos, os mais belos. Os resignados e os suicidas. Todos prontos pra se entregar. Até mesmo eu, o último dos românticos, arrebatado. Lá vem a primavera.
Pode ser a dança de um bailarino, em sua dança sutil. Ou o jogo rápido de um jogador. A flor pequena de uma moça ou os caprichos de uma arquiteta. Lá vem a primavera.
Pode ser a palavra antiga e o estilo novo. Pode ser difícil, proibido. Pode ser a sombra ou o desejo que habita somente nos olhos. Pode ser a doença ou a eloqüência. Lá vem a primavera.
Sim. The love is in the air. Contagiou! Invadiu os capitalistas e os arquitetos em formação. Começou com os jovens e terminou nos mortos. Ninguém escapou. Os que latem e os que se calam. Ninguém pode negar. Lá vem a primavera.
E a todos os que negarem. Os que bem sozinhos estiverem. Florescerão, na primavera. Até o fim dela e procriarão. Pedirão mais e mais desse mel repentino e fugaz que nasce com as flores e morre no verão.
Lá vem a primavera e com ela seu amor. Lá vão os casaizinhos, juntos, em exaltação. Lá vêm os carentes, em procuração. Os solitários, em extinção.
Lá vem a primavera!

Para Cris, uma amante em negação!

PS: Depois do sexo, vem o amor!