O amor começa, no primeiro e modesto elogio que antecede o primeiro beijo; nos centavos dispensados no presente cheio de carinho e intenções, na carta nunca entregue, no correio eletrônico que se apaga e na foto de perfil e risos que se rouba sem consentimento. Começa úmido na chuva que se pega depois da conversa longa, no caminho estreito e breve entre a inocência e o colégio; e enorme ele começa e se estreita, egoísta, afoito na paixão cega, inconseqüente e infinita, cultivada no primeiro minuto de contemplação.
Pode começar o amor nas amêndoas dos olhos mais bonitos do rosto mais bonito, nos despudor da nudez, na imensidão dos cílios; na severidade dos braços que se buscam e se repelem como dois dançarinos sem treino. Na poesia natural e inconsolável dos pôr-do-sois, nos laranjas e anis distantes e altos, como as esperanças dos mais símplices; do belisco da lua no negror do mar noturno; nos bosques, nos tempos imarcescíveis dos parques. Entre uma supernova e um eclipse, na décima segunda casa de Saturno, no Zodíaco, entre a força de Sagitário e fúria de Gêmeos pode o amor nascer. Pode iniciar de repente no final de uma rima mal feita de um poema esquecível e na canção feia cantada de improviso.
Começa com o estagiário novo e a secretaria, da impressão que se tenta causar, no preciosismo das palavras, no pensamento correto e do alinhamento minucioso das saias do uniforme no segundo dia; e depois do expediente talvez o amor comece como uma hora feliz e depois demissão. Com certeza com flores recém compradas e bombons sortidos tal qual o gosto de muitos beijos. Mas na santidade do silêncio também se começa o amor, imperativo e incontrolável como a criança obstinada por um agrado, carente, impaciente e modesto.
Como um vulto, da noite começa, envolto num enigma, com milhares de luzes vindo de todas as partes, na profundidade dos salões, no neon incômodo aos olhos, pousados em longos sofás de couro. Na periculosidade nos bares, nos goles reprimidos de conhaque, no balé, depois da dança e entusiasmo; virtualmente ele nasce, através de milhas de cabos ópticos, que não se vêem; solitariamente, a sós, entre as vogais de um teclado e um cumprimento, nas ruas, numa esquina, por exemplo, em algum momento entre a distração e o êxtase, o corpo freme e o amor começa.
Quando o tempo pára, o amor começa. Quando imprevisível muda e previsivelmente no príncipio da primavera, depois das quedas de folhas e arrepio, no inverno, no verão talvez, em Paris sempre, até na República Popular da China e no Kuait. Começa o amor, na verdade, na surpresa, entre duas ou mais pessoas, num fumante a perguntar por fogo, por interesse, depois da primeira noite de luxúria e espasmos, na viuvez, quando acaba o ódio, na admiração; sob qualquer pretexto, a contra-gosto, sem qualquer virtude, de forma imediata e irrepreensivelmente o amor começa.