quarta-feira, 6 de maio de 2009

Diva


Às dezenove horas desta quarta-feira no divã rosado e poento ela senta e conta. Conta com energia e meneios nas mãos, expondo as palmas, seus segredos e anseios. Relata com estranha incredulidade, como largado no meio fio, numa porta de carro batida, veio o fim do seu romance, do seu amor. Descrevia, trocando palavras, seu delicado relacionamento, repletos de dúvidas e frustrações. Escorregam confissões e alguns conselhos.


Sabe que seus braços ora apertados, agora apartados, estarão apontados em outra direção; consciente que seus votos agora serão para outro, um desconhecido que logo lhe causará tamanha impressão que será seu amor eterno até o breve fim. Seu afeto incondicional e indissolúvel se transformou em desespero, em ódio e depois em nada; com a vontade de contato anuindo aos poucos até a indiferença e o esquecimento. Simultaneamente o futuro incerto parecendo mais atrativo e o passado glorioso, perecendo.

Parecia também, naquela hora e naquele divã que seus relatos confusos, trocados, se confundiam com seus sentidos e não sabia o que dizer ao certo, ou o que sentia. Sabia que o queria de volta, naquele instante, mas a sua chance já não estava ali, tinha desistido também. A psicóloga, feminina, educada, solteira e leonina a tudo escutava com pertinente imunidade, tecendo e escrevendo comentários e murmúrios de contentamento. Liam-se neurótica, angústia, desequilíbrio, mágoas, inconformismo em suas notas e humanidade.

Os braços imperativos do relógio se encontravam novamente no final de hora. O assunto encerrado; a consulta encerrada, o romance encerrado. Aberto o vão mecânico do elevador a paciente neurótica, evadia-se em angústia, mirando o chão de um mundo em desequilíbrio, chorando as mágoas de seu inconformismo severo e ortodoxo, mas cheio de esperançosa humanidade.