sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Antigamente, quando era jovem

Antigamente, quando era jovem
A vida era doce, como as gotas que em minha língua chovem
Caçoava da vida, como se ela fosse um jogo fútil
Assim como a brisa da manhã, na chama sutil
Sempre construí os pesares na débil e inconstante areia
Os milhares de sonhos que sonhei, deixados na frágil teia
Vivi pelas noites, evitando a nua luz do dia
E somente agora percebi, os radiosos tempos que perdia

Antigamente, quando era jovem
Tantos embriagados versos guardei, que ainda comovem
Tantos prazeres permaneciam reservados para mim
E da dor meus perdidos olhos recusavam ver o fim
Corri tanto, porém o tempo e a juventude correram atrás
Nunca parei pra meditar na vida e tudo mais
E cada conversa, que relembrar-me ainda sou capaz
Sempre preocupadas comigo apenas e nada mais

Antigamente a lua era azul
E cada louco dia trazia algo novo, do sul
Usei aquela mágica época, como uma varinha mágica
Para nunca ver os ermos da realidade trágica
O jogo do amor, joguei com ar arrogante
E cada romance que raiou, logo morreu arfante
E todos amigos que tive se foram de todo
E somente fiquei eu, prestes a finalizar esse jogo

Há tantos versos a declamar num desejo, que mingua
Hoje, sinto as amargas gotas de lágrimas em minha língua
Pois a velhice chegou, para que se vinga

Do tempo, quando eu era jovem ainda.

domingo, 25 de novembro de 2007

A lira dos meus 22 anos


Nesta data que sustenta fatalmente algo de querida,
eu queria qualquer coisa da beleza dos primeiros sonhos quando nascem suspeitos
Quereria partilhar do restauro da inocência perdida no primeiro assombro e a volta
dos mesmos olhos tranqüilos que viam de certa forma alguma verdade em tudo isso.
Pediria nesta hora a mesma cumplicidade entre as pernas e a vontade
Que me surgissem em estado de urgência cada caso mal resolvido
Antes da insistência fatal que faz surgirem rugas nos ossos
E que eu ouvisse meu nome em muitas preces pretendidas, em alguma noite
que eu tivesse um tanto de todas as faces da lua na fase cheia
que eu tivesse distante todos os amigos mais íntimos nos momentos mais alegres
e mantivesse relembrados os amores mais sutis que desprezei durante a vida
e considerarei na morte.

Pediria um presente de qualquer forma
tão raro e custoso que não merecia nunca ser dado
Uma dádiva tão simples que não me fosse aceita, mas sempre querida
e ser tão especial ao coração de um estranho que presente algum estivesse
sob qualquer pretexto à venda, que pudessem me comprar
Queria muitas dádivas que se encontram dentro de toda ilusão madura
e que pudesse recusar todo engano fácil que almejei a vida toda
e que antes de eu nascer me preveniram.

sábado, 17 de novembro de 2007

Corpo em Evidência - FINAL

Reúno toda a coragem em mim ainda persistente pra terminar o inusitado episódio que me dispus a narrar:
A maçaneta girou e quando abriram-se as portas, para intenso alívio, minha amiga comissária adentrou no recinto. Espantou-se com o corpo jacente um minhas mãos limpas, mas tratei de aliciá-la. Cobrei-lhe os sexuais favores que me devia, pois eu tinha um plano fácil. Iríamos colocar o adorável Robbie – agora mais adorável do que nunca – de volta no cesto confortável que ele deveria estar desde o início. O caminho era longo e a tarefa ousada, mas nada mais poderia ser feito, além de anunciar uma morte súbita e espontânea.
Era um cachorro agitado e vívido, e num desses acessos de alegria, ele morreu por própria ação. Sem nenhuma testemunha ou culpado. Eu tinha de despistar a Velhota enquanto minha companheira iria realocar o corpo no cesto plácido de nossa trama.
Assumi riscar minha impecável imagem de comissário e derrubei com gosto uma generosa taça de vinho no colo majestoso da Opulenta. Enfurecida, convidei-a pra se limpar no toillet. Ao tocar nesse substantivo francês, sentiu uma inesperada falta de seu cachorro amigo. Gritou seu nome e aflita pôs-se a ordenar uma busca. Tentei tranqüilizá-la, convencendo-a do bem-estar do canino: “Ele deve estar deitado por ai”. Aproveitamos de seu desespero pra recolocar a vítima no cestinho. E indicamos que ela procurasse ali.
Lentamente dirigiu-se a ao rico cesto de plástico que envolvia o corpo inerte do pequeno Robbie. Seu espanto foi instantâneo e confesso que tremi. Seguiu-se um choro prolongado e escandaloso por todo o avião. Ela não se convencia de sua morte – nem eu, como tratei de demonstrar. Especulou envenenamento, traição; mas o óbvio foi apresentado concisamente.
O enterro oficial aconteceu dias depois da autópsia. Exumaram o corpo em busca de vestígios, mas a única anomalia era o pescoço quebrado. A Viúva, como se denominou depois, passou os meses seguintes a essa trágica morte em recuperação, numa clínica com decoração tailandesa.
Hoje sinto algum remorso pela morte do cão que herdaria uma fortuna. Não posso, entretanto, desprezar esse imenso conforto que foi a impunidade desse crime. Segui, triunfante, meus rotineiros vôos ao redor do mundo, desprezando cães, passando o maior tempo das viagens nos apertados toillets com aeromoças gentis.

domingo, 4 de novembro de 2007

Corpo em Evidência


Eu era um respeitado comissário de bordo em mais uma viagem com destino a antiga Manchúria, a terra dos prazeres orientais. Sempre realizei com afinco meus aéreos serviços. Meu corpo juvenil e beleza singular sempre me colocava em situações constrangedoras, inclusive com uma recatada aeromoça, que insistia em me trancar nos banheiros.
Nada era mais constrangedor, contudo, que passageiros com animais. Certa vez tive de rastejar em busca de uma iguana raríssima da Guatemala, que até não hoje não a encontrei, entre os assentos do avião. Havia animais pacíficos; ficavam ali sentados, a contemplar os céus, a bebericar vinhos e encantar crianças. Uns até divertiam os vôos. E minha intolerância com os irracionais diminuía a cada viagem, o que se tornou, como pude comprovar com desgosto, um embaraçoso embuste. Esses cachorrinhos lindos, peludinhos, mesclados de marrom e branco que herdam milionárias fortunas – cuja raça eu desconheço – costumam fazer grande sucesso na viagem. Percebi que um deles simpatizou comigo desde o embarque. Abanava o curto rabo e me lambia os pés. Acenava com a língua pra fora e confesso que me despertou cumplicidade. Estava acompanhado de uma senhora corpulenta, enérgica e com uma bolsa original da Luis Vuitton. Foram pra primeira classe.
Fazendo minha costumeira vistoria por entre os assentos, percebi algo me roçando os sapatos recém lustrados. Era o pequeno Robbie, como o chamavam – em homenagem ao cantor, porque segundo a dona, os dois tinham o mesmo bumbum irresistível.
No começo sorri e retribui com alegria aos apelos do canino. Agradei a ele e a dona, principalmente. Mas longe dos olhares da Madame o ignorei. Juro que tentei me desvencilhar os gracejos do animal até que me irritei. Chamei-o de vira-latas e nem assim ele me largou. Sacudi-o violentamente pelo pescoço até que ouvi um singelo “TLEC”. Mirei profundamente nos olhos, que antes alegres e úmidos, agora jaziam fechados e murchos. A língua pendurada pra fora e os pulmões parados.
Só então percebi que tinha um cadáver em minhas mãos. Fiquei atônito com a possibilidade do assassinato, ou quem sabe de prisão! Ouvi femininos e distantes passos, em demoradas passadas a ser aproximar... um horror repentino me tomou as veias e tremi ao sentir a maçaneta protetora lentamente girando. Calado esperei. Eu não podia ser descoberto. Não podia perder o emprego. Eu não podia ser um assassino. Eu não podia....

Essa história, verídica e trágica está ficando muito longa, mas prometo que na próxima semana, eu conto o final – para os que voltarem é claro.